terça-feira, 4 de julho de 2017

Limpeza no fundo do mar na Praia Vermelha

Iniciativa bacana neste sábado dia 02 de Julho de 2017 da Sea Shepherd em parceria com a Verde Mar, reunindo mergulhadores de diferentes gerações para limpar o fundo do mar na Praia Vermelha. Mais importante do que a limpeza em si é a difusão da consciência ecológica.

Nos últimos anos, sempre que mergulho no Rio, seja nas Cagarras ou na Praia Vermelha (como neste vídeo, de 02/07/17), as tartarugas aparecem. Bom sinal!


sábado, 5 de setembro de 2015

terça-feira, 5 de maio de 2015

Vida e história pulsam nos naufrágios



O canhão de proa da V-17, em foto de Marta Granville


A história da navegação – e, por que não dizer?,da humanidade - não está documentada apenas nos museus e nas bibliotecas, ou nos registros das companhias de seguro e dos armadores. No fundo dos oceanos ela desafia o tempo. Calcula-se que haja no Brasil mais de 20 mil naufrágios de todos os tipos, ocorridos desde os tempos do “Descobrimento” até os nossos dias.
De forma paradoxal, em meio a bancos de areia e recifes de coral, os naufrágios mantêm a história viva, desvendando para os poucos privilegiados que os alcançam com os olhos e as pontas dos dedos a coragem, a dedicação e o espírito de aventura daqueles que, em diferentes épocas, se lançaram ao mar para desbravar “novos mundos”, conquistar mercados, unir povos ou mesmo “defender a pátria”.
Submersas, as embarcações ganham sobrevida dramática, adiam o padecimento. Lá no fundo não são sucata - destino certo da maioria daquelas que cumpre a vida útil em operação -, mas relíquias arqueológicas, santuários da vida marinha e moradia segura de outros seres. Representam um tributo às suas tripulações. Arrisco dizer que é um fim nobre, honrado.
Entre os naufrágios brasileiros que mais impressionam e seduzem mergulhadores de todo o mundo, pelos seus aspectos históricos, pela beleza marinha e pelas dificuldades técnicas de acesso, está o da Corveta Ipiranga, em Fernando de Noronha (ver vídeo ao final deste texto). A embarcação foi “um importante protagonista da defesa da soberania brasileira”, como veremos adiante.


Afundada em 03 de outubro de 1983, após chocar-se com uma laje nas imediações da Ponta da Sapata, no chamado “mar de dentro”, face Norte do arquipélago, a V-17 repousa a 64 metros de profundidade (posição 03º51S,32º28W), guarnecida por robustos badejos Quadrado e cações Lambaru.
Após o choque da embarcação com a pedra, ainda houve tempo de manobrá-la e levá-la para águas mais profundas, longe das praias, onde não oferecesse risco aos banhistas, pescadores e à navegação. Todos os seus tripulantes foram evacuados e salvos.
O pesquisador Maurício de Carvalho relata no site Naufrágios do Brasil que a nau de Américo Vespúcio, mercador, cartógrafo e navegador italiano a quem se atribui o descobrimento do arquipélago em 1503, também foi a pique após colidir com uma rocha submersa no mesmo local.
Mas o protagonismo da Corveta Ipiranga em relação à soberania brasileira não se deve, evidentemente, a essa coincidência ou ao fato de ter sido a primeira embarcação da Armada a ostentar o nome do riacho paulista símbolo da proclamação da Independência. Essas são apenas algumas curiosidades que envolvem a sua trajetória.
Fabricado na Holanda, mais precisamente no estaleiro C.C. Sheepsbower & Geashonder Jonker & Stans, de Roterdã, o vaso de guerra teve o seu batimento de quilha em outubro de 1953, foi lançado ao mar em junho de 1954 e incorporado à Marinha do Brasil em janeiro de 1955.
Com 911 toneladas (1.025 a plena carga), tripulada por 64 homens, sendo seis oficiais e 58 praças, equipada com dois motores a diesel e armada com um canhão de 76,2 milímetros (mais quatro metralhadoras de 20 milímetros), a V-17 passou, a partir de então, a cumprir missões de patrulhamento na costa do Nordeste e de apoio às guarnições militares de Fernando de Noronha.
Foi durante uma dessas missões, em janeiro de 1962, que se deu o ponto alto de sua carreira. Com a palavra José Carlos Tavares e Fernando Clark, autores de Naufrágios do Brasil – Uma cultura submersa (Ed. Cultura Sub):
“A corveta realizava um patrulhamento de rotina no mar territorial (que na época era de 12 milhas), no litoral do Ceará, quando avistou um barco pesqueiro francês, o Cassiopé, especializado na pesca de lagosta. O comandante (...), capitão de corveta Heitor Alves Barreira Júnior, emitiu mensagem ao mestre do lagosteiro informando que estava em atividade ilegal, obrigando-o a seguir até o Porto de Fortaleza”.
Tinha início ali a “Guerra da Lagosta”, entre Brasil e França, na verdade, um tenso embate diplomático-comercial e uma sucessão de manobras aeronavais envolvendo uma força tarefa francesa, deslocada da costa da África, e grande parte da esquadra brasileira, com apoio de aviões da FAB.
Em agosto daquele mesmo ano, a V-17 ainda apresaria os lagosteiros franceses Folgor e Françoise Christine, que estavam em atividade ilegal. O recuo francês, e a retirada de sua força tarefa, não teriam ocorrido sem uma posição firme do governo brasileiro e da Marinha, instrumentalizada pela Ipiranga.
Com os seus 56 metros de comprimento por 9,9 metros de boca, a corveta repousa praticamente intacta no fundo de areia, como um patrimônio histórico respeitado e preservado pelos mergulhadores. As águas límpidas, de azul profundo (“roxas”, no jargão do mergulho), fazem com que a “descida” até a Ipiranga seja um deslumbre.
Pouco abaixo da superfície já é possível avistar a grande mancha no leito do mar e, logo em seguida, poucos metros a mais, a sua majestosa silhueta. Na chegada ao convés, pela popa, a recepção é feita por grandes cardumes, de variadas espécies, tanto de peixes de passagem como de recife. Os corais de cor intensa “devoram” o aço (o lento padecimento) e decoram o canhão de proa, provando que o naufrágio, ao contrário do que o senso-comum indica, é um baluarte da vida.
https://ssl.gstatic.com/ui/v1/icons/mail/images/cleardot.gif     Mergulhos como os realizados na Corveta Ipiranga exigem algum planejamento técnico. Devido à profundidade, são obrigatórias as paradas de descompressão, no retorno à superfície. Para quem não é mergulhador, vale o esclarecimento: as paradas planejadas permitem que o organismo elimine as bolhas de nitrogênio que se acumularam nos tecidos e na corrente sanguínea durante o mergulho, evitando a doença descompressiva, que, em casos mais graves, pode levar à morte ou deixar sequelas permanentes. 
No vídeo abaixo (imagens de Dudu Figueiredo), gravado em setembro de 2010, nota-se uma dificuldade adicional, além da profundidade: a forte corrente que obrigou os mergulhadores, "embandeirados", a fazer a descida pelo cabo de sinalização, sob o risco de se distanciar do naufrágio e ficar à deriva.
Nada disso, porém, desencoraja os mergulhadores no desafio que é visitar a Ipiranga, a embarcação que pode ser considerada a maior “protagonista da defesa de nossa soberania”, como definiram Silvares e Clark.

(Obs: Este texto foi publicado originalmente na revista Unificar,em abril de 2015)

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Onde estão os grandes peixes de Abrolhos?

(Pôr do sol em Abrolhos/Foto de Nilson Mello)


    As imagens disponíveis nos três links ao final deste texto são vídeos editados de mergulhos realizados no Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, em dezembro de 2010. Foi a terceira vez em que estive em Abrolhos e, confesso, fiquei desapontado por não ter encontrado a explosão de vida que vi nas viagens anteriores, entre 1990 e 1992.
    Cardumes de xaréus e gigantescas barracudas eram atrações certas, não vistas dessa vez. Até mesmo os grandes badejos quadrados, que permaneciam à espreita dos mergulhadores no costão da Ilha Santa Bárbara, desapareceram.
    Como há mais de 20 anos Abrolhos é uma grande área de preservação da vida marinha, prefiro atribuir a ausência dos grandes peixes a fatores sazonais. Afinal, ainda que reconheçamos que a fiscalização possa ser deficiente – a despeito do visível empenho de guardas-parque, demais funcionários do IBAMA e pessoal da Marinha – um controle precário é, evidentemente, melhor do que não haver controle algum. Ou seja, não é possível que os peixes tenham diminuído após a criação da área de preservação.
    Nos vídeos dos links abaixo, o encontro com os grandes cardumes de vermelhão-dentão e budião se dá apenas no mergulho mais raso, na Ilha Siriba. Nos mergulhos dos naufrágios (Rosalinda, Santa Catarina e Guadiana), praticamente não se veem peixes. O que houve com a exuberante vida marinha do Arquipélago nos últimos anos? Biólogos e especialistas com quem conversei não conseguiram desvendar o mistério. Uma explicação seria a influência de "fatores exógenos", ou seja o aumento da pesca e da poluição fora dos limites do parque. A outra, o aumento da pesca ilegal dentro do próprio parque. Nenhuma delas me satisfez.
Criado em 1983, o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos tem como missão a preservação da mais expressiva formação de recifes de coral do Atlântico Sul, berçário natural para inúmeras espécies de peixes, crustáceos, moluscos e tartarugas, além de refúgio para a baleia Jubarte, que vem procriar em águas mais quentes nos meses de inverno e primavera na Antártica.
    Com cerca de 90 mil hectares, o parque abriga o Arquipélago de Abrolhos, com as Ilhas Santa Bárbara, Siriba, Redonda, Sueste e Guarita, além de uma extensa região de parcéis - Parcel dos Abrolhos e Recife das Timbebas – maior do que a área da Baía de Guanabara.

(Foto panorâmica do Arquipélago, com Ilha Santa Bárbara à frente. Autor desconhecido)

    A formação geológica das ilhas e sua disposição em semi-círculo indicam terem sido um vulcão, há milhões de anos. A região da plataforma continental em que está situado o arquipélago é extensa e relativamente rasa - o chamado Banco dos Abrolhos. A mais de 100 km da costa, é possível encontrar profundidades inferiores a 30 metros.
    Essas características favoreceram a formação dos recifes de corais, também influenciados pela ocorrência de extensos manguezais no litoral sul da Bahia, cuja produção de material orgânico, levado pelas marés e correntes, é fonte da vida marinha.
    Todas as espécies de corais encontradas no litoral brasileiro estão presentes em Abrolhos. A região tem ainda algumas espécies endêmicas.
O aspecto mais característico de sua formação são os chamados “chapeirões” – estruturas coralíneas que ser erguem de até 25 metros de profundidade até quase a superfície, podendo chegar a 50 metros de diâmetro. Os chapeirões chegam a aflorar na maré mais baixa e representam um grande risco para a navegação.  
    O nome “Abrolhos” não foi dado pelos navegadores portugueses à toa. Desde Américo Vespúcio, primeiro explorador a avistar as ilhas, até os dias de hoje, uma infinidade de embarcações foi a pique ao colidir nos seus recifes. Cerca de 30 desses naufrágios já foram catalogados (ver site Naufrágios do Brasil, de Maurício Carvalho). Três deles (Rosalinda, Guadiana e Santa Catarina) aparecem nos vídeos abaixo.
Com o aumento do tráfego marítimo entre o Brasil e o mundo no século XIX, o governo do Império decidiu construir um farol no arquipélago. Pré-fabricado na França e montado na Ilha de Santa Bárbara em 1861 (prestes, portanto, a completar 150 anos e ainda e operação), esse farol é o segundo de maior alcance no mundo, com seu foco de orientação sendo visível a 51 milhas náuticas. Em noites de tempo bom, a sinalização é vista do litoral.
A torre do farol tem 22 metros altura, e está a 60 metros de altitude, no ponto culminante de Santa Bárbara. Mesmo com o avanço da navegação e o aperfeiçoamento de equipamentos como GPS e ecosondas, continua a ter importância para a navegação, sobretudo na orientação das pequenas embarcações pesqueiras.

LINKS
Na parte I dos links abaixo, pode-se ver o embarque em Caravelas (BA) - ponto na costa mais próximo do parque - a navegação de quase 70 km até o arquipélago e os mergulhos na Ilha Siriba e nos naufrágios do Rosalinda e do Santa Catarina. Nas partes II e III dos links estão as imagens do Guadiana.
O Guadiana era um paquete (navio de carga e passageiros) pertencente à Royal Mail Steam Paket Company. Seguia do Rio de Janeiro para Nova York levando a bordo 1,8 toneladas de café e 45 passageiros. Movido à vela e a vapor, colidiu com um “chapeirão” ao norte da Ilha Santa Bárbara, às 7h do dia 20 de junho de 1885, dois dias após ter zarpado do Rio. Ninguém morreu. Está a 27 metros de profundidade.
O Santa Catarina (imagens do primeiro link) era um cargueiro alemão. Foi colocado a pique pelos britânicos em 1914, durante a I Guerra Mundial. Com 106 metros de comprimento (14,4 metros de boca), havia zarpado de Montevidéu com destino à Alemanha. Ao longo do litoral brasileiro, foi perseguido por uma flotilha britânica liderada pelo cruzador Glasgow. Na altura de Vitória, foi aprisionado e levado para as proximidades de Abrolhos, onde foi incendiado. Sua carga foi retirada e seus tripulantes aprisionados. Está a 27 metros de profundidade.
O Rosalinda, por sua vez, era um cargueiro italiano de 104 metros. Naufragou ao colidir com os recifes, em outubro de 1955. Está a cerca de 20 metros de profundidade. Bons mergulhos!

Abrolhos (Parte I)


Abrolhos (Parte II)


  
Abrolhos (Parte III)

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Secchin e o primeiro tubarão

   

Carlos Secchin é o melhor fotógrafo submarino do Brasil e certamente um dos mais renomados do mundo. É também um dos grandes fotógrafos da natureza em atividade. Seus livros sobre Fernando de Noronha, Abrolhos, Ilha Grande e Pantanal, entre outros, são presença obrigatória nas estantes de quem ama o mar e a natureza.
    Mas, em Narcosis – viagens radicais (Record, 2001, 178 páginas), Secchin prova que também tem veia literária e sabe contar boas histórias como poucos. Aliás, não é exagero dizer que histórias sobre mergulhos e pescarias são tão boas quanto os próprios mergulhos e pescarias – ainda que os autores não as exagerem.
Um experiente mergulhador deixar de lado qualquer vaidade para relatar episódios prosaicos em que figurou como protagonista – ou principal coadjuvante – é fato raro.
Mergulhadores menos seguros de sua capacidade certamente não tornariam públicos seus percalços com “mareios” e vômitos a bordo, ou com traineiras indo a pique em mar revolto sem salva-vidas para os ocupantes, ou ainda com o assédio de tubarões. Secchin parece se divertir com essas situações insólitas à medida que as compartilha com o leitor, sem qualquer censura. E essa é a virtude de Narcosis.
Um trecho:
“A primeira experiência com a criatura mais temida dos mares ocupa lugar seguro na memória de qualquer mergulhador. Parafraseando o slogan de sucesso, ‘o primeiro ataque de tubarão a gente nunca esquece’. A minha primeira vez aconteceu em julho de 1978, em Fernando de Noronha. Foi no canal da Rata, ao lado da Ilha do Meio, na sua parte abrigada. Naquele dia, um idiota que pescava em nosso barco decidiu limpar e atirar no mar as vísceras das piraúnas que fisgava. Verdadeiro petisco para os cações locais, eram em quantidade suficiente para criar um corredor de cheiro capaz de atrair predadores de maior porte. (...) Não tardaram a despertar a gula de um tubarão galha-preta, que emergiu das profundezas como um torpedo, disposto a abocanhar o que quer que encontrasse pela frente. (...) Neste momento, um terceiro personagem entrou em cena. Alheio ao que acontecia lá embaixo, um turista nadava na superfície, agitando a água com suas nadadeiras, o que atraiu o meu agressor como um imã desviando o ponteiro de uma bússola. Em sua voracidade, o bicho arrancou uma das nadadeiras do turista. Mas continuou rondando e apertando o cerco sobre a nova presa. Com a ajuda de um tridente adaptado à ponta de um cabo de vassoura, o turista se defendia, empurrando o tubarão aqui e ali; e irritando-o mais ainda. Consegui ganhar distância e subir no barco onde, todos, perplexos, assistiam à cena. (...) Houve quem quisesse içar o turista, mesmo sabendo do risco que ele correria de perder uma das pernas. Não havia dúvida. Pelo silêncio e pelos olhares de todos a bordo, logo percebi que eu era o “voluntário” escolhido pela maioria. (...) É claro que me faltava convicção para voltar àquele pesadelo...mas não havia outra coisa a ser feita. Desci suavemente, procurando fazer o mínimo de ruído possível. Ainda assim, no momento em que toquei na água, tão logo as bolhas do visor de minha máscara se dissiparam, ele já estava em cima de mim. Por puro reflexo, puxei o gatilho (da arma de mergulho). O corpo da fera estremeceu ao ser atingido. Imediatamente, lancei a espingarda sobre o convés. Mas a força de três homens na carretilha não bastou para embarcá-lo. Desapareceu no fundo, levando o arpão”.
Em outro trecho, Secchin conta como ficou emocionado quando, no naufrágio do Itapagé, no litoral sul de Alagoas, dois companheiros de mergulho, caçadores submarinos, baixaram suas armas ao invés de dispará-las sobre um grande cardume de xareús. O autor pôde, durante alguns minutos, fazer suas melhores fotos, sem que o cardume fosse disperso pelos arpões. E sentiu-se homenageado pelos companheiros. “À noite, à mesa de um bar, depois de muita conversa e cerveja, agradeci a honraria. Houve um silêncio constrangedor e logo a seguir, só para me sacanear, eles me disseram que toda vez que mergulham sobre o Itapagé, ficam imóveis alguns minutos, rezando pelas almas das vítimas do naufrágio...”
Essas e as demais histórias de Narcosis traduzem com humor o verdadeiro espírito do mergulho. Uma advertência: o risco de narcose, durante a leitura, é grande.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Imagens revelam encontro com mero e Corveta Ipiranga, a 60 metros de profundidade

 Na postagem inaugural deste blog, em 06 de janeiro, os comentários críticos ao descaso das autoridades em relação à infraestrutura de Fernando de Noronha prevaleceram. As belezas naturais ímpares contrastam com o desleixo do Poder Público. Feito o registro - um dever de jornalista - seguem abaixo desse texto dois links de vídeos de mergulhos nas águas do arquipélago.

O primeiro link revela imagens de uma visita à Corveta Ipiranga (V 17), que repousa desde 1983 a 60 metros de profundidade. O segundo, traz uma edição com imagens em diferentes pontos de mergulho de FN, incluindo a Ponta da Macaxeira, local de operação de mergulho nem sempre fácil, devido ao mar batido.

O destaque deste segundo vídeo é o encontro com um mero de quase 200kg que se deixou, placidamente, fotografar pelos mergulhadores. A postura "amigável" deste grande serranídeo (da mesma família dos chernes, badejos e garoupas e, portanto, também saboroso), infelizmente, foi a principal causa de seu quase desaparecimento em outras regiões do Brasil – alvo preferencial dos caçadores submarinos. Lembro-me de ter me encontrado com um belo exemplar, há cerca de 10 anos, mergulhando no naufrágio do Buenos Aires, nas proximidades da Ilha Rasa (Rio de Janeiro). Aquele havia sido o último encontro, até Fernando de Noronha.

A Corveta Ipiranga afundou após colidir com a Cabeça da Sapata, uma laje que se ergue de 70 metros de profundidade e que quase aflora na maré baixa. A nau de Américo Vespúcio, a quem se atribui o descobrimento do Arquipélago, também teria ido a pique no mesmo local. A V-17, com seus 56 metros de comprimento (3,5 metros de calado e 9,9 metros de boca) encontra-se com o casco praticamente intacto, perfeitamente assentado no fundo.

As imagens mostram que a “descida” até a Corveta nem sempre é fácil, devido à forte correnteza. Os mergulhadores chegam a ficar “embandeirados” no cabo-guia, como mostram as imagens. Perder-se do cabo-guia significa ter que abortar o mergulho, em função do desperdício de ar comprimido. Para os que têm maior curiosidade técnica, nesse mergulho foi usado ar comprimido – sem ocorrência de sinais de narcose – até a profundidade máxima de 54 metros (convés).

Despendeu-se cerca de 4 minutos somente na descida. A demora na descida deveu-se à forte corrente. Por conta da demora, com gasto de ar além do planejado, não houve penetração no navio. Permanecemos cerca de 15 minutos no naufrágio. No retorno à superfície, foi feita a primeira parada de descompressão, aos 12 metros, para troca dos cilindros de ar-comprimido por cilindros com mistura enriquecida de oxigênio (EAN 50%). Uma outra parada foi feita aos 6 metros.

Bons mergulhos: 


> Link mergulho Corveta Ipiranga – Fernando de Noronha – Agosto de 2010. 



>  Link mergulho Macaxeira e encontro com mero – Fernando de Noronha – Agosto de 2010.





quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Em Fernando de Noronha, belezas naturais contrastam com o descaso das autoridades

Legenda: Nilson Mello em mergulho na Corveta Ipiranga. Foto de Marta Granville.


O Arquipélago de Fernando de Noronha, com suas 21 ilhas de origem vulcânica que se erguem de 4 mil metros desde o leito do oceano, e cuja formação geológica remonta há pelo menos dois milhões de anos, é um paraíso natural de beleza ímpar marcado pelo desleixo e descaso das autoridades. Com 18 km2 de área – 70% dela abrangidos pelo Parque Nacional Marinho, criado em 1988 – e distante 345 km do litoral do Rio Grande do Norte, no ponto mais próximo da costa, o arquipélago recebe por ano mais de 65 mil turistas, 10% deles estrangeiros.

           Distrito Estadual de Pernambuco, Fernando de Noronha já é um dos principais pólos da prática do mergulho de lazer em todo mundo, ao lado das ilhas caribenhas, do Mar Vermelho e da Grande Barreira de Corais, na Austrália. Também está entre os destinos mais visitados do país. Mas, apesar do afluxo de turistas e do retorno em receitas para os cofres públicos, a segurança e o conforto dos visitantes e, principalmente, dos ilhéus ficam comprometidos pela omissão do Poder Público.        
      
(Legenda: Os balcões de check in de embarque do Aeroporto de Fernando de Noronha, administrado pelo governo de Pernambuco, são precários barracões de madeira e teto de zinco.)

O sucateamento da infraestrutura do arquipélago é visível e contrasta com as paisagens paradisíacas que levaram a Unesco a declarar, em 2001, o arquipélago Patrimônio Natural Mundial. A começar pelas precárias instalações do aeroporto local, onde o check in é feito em barracões de madeira sem paredes e com teto de zinco, e cujos banheiros não oferecem condições mínimas de higiene, a imagem é de abandono, refletindo desrespeito com o contribuinte.

“Quem mais sofre com o descaso não são os turistas, mas nós moradores. Eu gostaria de saber o que é feito com as taxas e os impostos que são arrecadados aqui”, questiona Leanardo Gomes de Oliveira, morador que, como muitos outros, trabalha como guia ecológico.

(Legenda: No ancoradouro do Porto de Santo Antonio, o deck de acesso às embarcações está quebrado e sem data prevista para conserto, obrigando os turistas a um embarque improvisado)
 
No ancoradouro, as condições não são melhores. O deck de embarque e desembarque de passageiros no Porto de Santo Antonio – ponto de partida e chegada dos passeios de barco e, portanto, local de trânsito obrigatório de turistas – está danificado há mais de um ano e sem data definida para ser reparado. Isso faz com que o embarque seja feito de forma improvisada – e perigosa – num local destinado à movimentação de pescado e de carga.

O patrimônio histórico e arquitetônico está igualmente deteriorado. O Forte Nossa Senhora dos Remédios, relíquia arquitetônica erguida pelos portugueses no Século VXIII sobre ruínas de uma fortificação holandesa datada do século anterior, encontra-se em estado de abandono: mato crescendo em seu interior e no entorno, muros se deteriorando e nenhum vigia ou guia para orientar o visitante. As más condições de conservação também atingem as outras nove fortificações da ilha, ou o que restou delas, a despeito de representarem, em conjunto, o maior sistema de fortalezas do Brasil do século XVIII.

Embora a Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Pernambuco tenha anunciado, em março deste ano, obras para reverter o “processo de degradação” do Forte dos Remédios que levariam seis meses, ao custo de R$ 258 mil, nenhuma melhoria ou restauro é perceptível até hoje.
O descaso em Fernando de Noronha alcança o setor de saúde e ainda o fornecimento de energia sustentável – uma preocupação que deveria ser inerente a um arquipélago que pretende se notabilizar pela preservação do ambiente. O Hospital São Lucas, único do arquipélago, só está aparelhado para atendimentos primários. A câmara hiperbárica, para tratar doença descompressiva, doada pela Associação de Mergulhadores de Fernando de Noronha deteriora-se num galpão da unidade, sob argumento de que não há equipe treinada para operá-la. 

A câmara hiperbárica é um equipamento indispensável para tratar mergulhadores com doença descompressiva – um mal que pode levar à morte ou deixar seqüelas permanentes – e cuja prevenção e o tratamento, portanto, deveriam ser preocupação das autoridades num destino turístico que se firma como pólo mundial do mergulho de lazer – e que assim tenta ser conhecido internacionalmente. 

 No que diz respeito ao fornecimento de eletricidade, a única torre de energia eólica da Ilha está quebrada há mais de um ano e sem previsão de reparo – a exemplo do deck de embarque do porto. 


(Legenda: Anderson Taboada e Andréa Benazzi, turistas e mergulhadores, gostaram das belezas naturais da Ilha, mas lamentaram o abandono da infraestrutura, como a torre de energia eólica quebrada.)


“A Ilha é maravilhosa, mas a infraestrutura poderia receber mais atenção das autoridades”, lamenta a médica Andréa Benazzi, que foi a Fernando de Noronha para a prática do mergulho. “O desleixo é evidente”, afirma o advogado e também mergulhador Anderson Taboada.

As ruas esburacadas e sujas, as construções mal conservadas e o esgoto refluindo e correndo a céu aberto no período de chuvas em plena Vila dos Remédios – que é o centro da Administração e do comércio local - compõem um cenário que faz de Fernando de Noronha um retrato em miniatura do que é o Brasil: um país de incontáveis belezas naturais, de povo afável e receptivo, mas cuja administração pública – independentemente de orientação ideológica, partido ou esfera governamental – não dá a devida contrapartida, em serviços e infraestrutura, ao esforço empreendido pela sociedade para movimentar a economia e aos valores recolhidos em tributos. 

Apenas com o pagamento da Taxa de Preservação Ambiental (TPA) diária, obrigatória para o desembarque em Fernando de Noronha, os visitantes deixam nos cofres estaduais R$ 12 milhões por ano, de acordo com a própria Secretaria de Turismo de Pernambuco, sem contar as receitas geradas com hospedagem, consumo em bares e restaurantes e contratação de outros serviços, como guias e aluguéis de veículos – essas não informadas pelo governo estadual até o fechamento desta edição.

A Lei estadual número 11.305 de 1995, que instituiu a Taxa de Preservação Ambiental (TPA), estabelece, em seu artigo 88, que a receita proveniente da cobrança desse tributo “deverá ser aplicada nas despesas realizadas pela Administração geral na manutenção das condições de acesso dos locais turísticos e dos ecossistemas naturais existentes em Fernando de Noronha, bem como para a execução geral de obras e benfeitorias em benefício da população local e dos visitantes”, metas distantes do que ocorre na realidade. 
(Legenda: Rua de acesso à Praia da Atalaia, um dos pontos mais visitados da ilha. Apesar da grande afluência de turistas, inclusive estrangeiros, que movimentam milhões por ano em Fernando de Noronha, o Poder Público não se preocupa com o calçamento das ruas, que acumulam sujeira.)


As promessas dos órgãos responsáveis 

Para justificar as omissões no que diz respeito ao investimento na infraestrutura de Fernando de Noronha e na preservação de seu patrimônio, os órgãos públicos apresentam respostas protocolares e vagas, acompanhadas de promessas. 

Por meio da Secretaria de Turismo do estado, o governo de Pernambuco explica que, “preocupado com o desconforto do visitante a Noronha”, decidiu elaborar um projeto para a reforma do aeroporto, cuja administração é estadual, “com etapas diferenciadas de construção”, integrando todos os serviços necessários e determinados pela ANAC – A Agência Nacional de Aviação Civil. Informa ainda que essas obras contemplariam melhoria do check in, nova praça de alimentação, novos banheiros, entre outros. Mas, no e-mail de resposta enviado à reportagem, o governo do estado não especifica quando começarão ou terminarão essas obras, nem os recursos necessários para sua execução.
(Legenda: O Forte dos Remédios é um patrimônio histórico que data do século XVIII em condições de abandono e, embora o Iphan informe que o monumento está sendo recuperado, não há sinal de operários no local nem de vigias ou guias.)

Questionada sobre a precariedade das instalações do aeroporto, a ANAC informou que “não tem como impor reformas ao administrador de um aeródromo”, ou estipular prazos para tanto. E que pode apenas aplicar restrições de vôos para aeroportos cujas instalações sejam deficientes. Mas que, no caso de Fernando de Noronha, não há qualquer restrição neste sentido. 

Com relação ao deck danificado, o governo de Pernambuco afirma que a Administração da Ilha está “empenhada” na liberação de R$ 80 milhões, junto ao “governo federal”, para iniciar a recuperação do Porto de Santo Antonio, sem especificar datas ou por que razão os valores precisam ser tão elevados e aguardar aportes federais, se o arquipélago tem administração estadual e recursos garantidos por meio da TPA e de outros tributos inerentes à atividade turística.
Quanto à câmara hiperbárica abandonada no hospital local, a resposta oficial é de que se trata de um equipamento doado pela iniciativa privada (a Associação de Mergulhadores) e que, portanto, não caberia às autoridades de Saúde a sua operação – a despeito da importância do mergulho de lazer em Fernando de Noronha. Ou seja, não bastasse terem feito a doação da câmara de descompressão, os mergulhadores devem se cotizar e montar uma unidade hospitalar e uma equipe médica para operá-la - ao menos é isso que se deduz da postura esquiva do governo pernambucano.

O mesmo tipo de justificativa é dado em relação à torre de energia eólica. Fonte limpa inesgotável de energia, responsável por mais de 7% da eletricidade consumida na Ilha até ter tido uma de suas pás da hélice quebrada (supostamente atingida por um raio) há mais de um ano, a torre hoje permanece como um monumento ao descaso, prejudicando a bela paisagem como se fosse um espantalho.

“A torre é de uma empresa particular”, desconversa o governo estadual, por meio de e-mail enviado pela Secretaria de Turismo, eximindo-se de repará-la, de obrigar os responsáveis a fazê-lo, ou de investir em outros projetos semelhantes. Hoje, 100% da energia local são gerados por uma usina térmica movida a diesel, fonte reconhecidamente não sustentável e altamente poluente.

No que diz respeito ao abandono do Forte dos Remédios, o superintende do Iphan em Pernambuco, Frederico Almeida, reconhece que as obras estão atrasadas devido à dificuldade e à complexidade de se levar material de construção por mar até a Ilha: “Infelizmente os navios que transportam os materiais para obra atrasaram a entrega (...). Estamos tomando providências para que a Administração da Ilha acelere a entrega (do material). Acho que só agora, está sendo dada a atenção que o patrimônio cultural da Ilha merece”, justifica, prometendo a recuperação imediata do forte.  (NM)

Naufrágios remontam a Vespúcio 

            Dentre os muito atrativos do fundo do mar em Fernando de Noronha - aí incluídos os encontros com tubarões e tartarugas ou a exploração de grutas e paredões submersos com mais de 70 metros de profundidade - o que mais seduz os mergulhadores é o naufrágio da Corveta Ipiranga (V 17), situado entre 55 e 60 metros de profundidade, próximo à Ponta da Sapata, no chamado “mar de dentro” (face norte) do arquipélago.

            O navio de guerra, fabricado na Holanda em 1953 e usado pela Marinha do Brasil no patrulhamento da costa do Nordeste e no apoio às guarnições militares da ilha, afundou em outubro de 1983, após chocar-se com a laje (rochedo submerso) da Sapata. Todos os tripulantes foram salvos.
            O pesquisador Maurício de Carvalho relata no site “Naufrágios do Brasil” (www.naufragiosdobrasil.com.br) que a nau de Américo Vespúcio, mercador, cartógrafo e navegador italiano a quem se atribui o descobrimento do arquipélago em 1503, também teria afundado após colidir com uma pedra no mesmo local.
            Com 56 metros de comprimento por 9,9 metros de largura, a Corveta Ipiranga repousa no fundo praticamente intacta, como um patrimônio histórico respeitado e preservado pelos mergulhadores de turismo, sob a permanente orientação das operadoras de mergulho locais. 

            “O mais importante é a consciência dos mergulhadores em Fernando de Noronha, contribuindo para a preservação do patrimônio submerso”, afirma Eduardo Figueiredo, experiente mergulhador carioca com mais de 20 viagens a Fernando de Noronha. A segurança tem sido uma preocupação permanente dos profissionais que trabalham com mergulho em Noronha, o que tem prevenido acidentes.

 Mas mergulhos como o da Corveta Ipiranga exigem planejamento técnico e experiência, uma vez que, devido à profundidade, são obrigatórias as paradas de descompressão. As paradas, feitas no retorno do mergulhador à superfície, permitem que o organismo elimine as bolhas de nitrogênio que se acumularam nos tecidos e na corrente sanguinea. 

O ar que os mergulhadores levam em seus cilindros, via de regra, tem a mesma composição do ar da superfície: 78% de nitrogênio (N2) e 20,94% de oxigênio (O2), além de outros gases em percentuais menores. Contudo, à medida que a profundidade aumenta, e com ela a pressão, o nitrogênio - que é um gás inerte, ou seja, não metabolizado pelo organismo – se expande pelos tecidos, ao invés de ser exalado. 

A doença descompressiva ocorre quando o mergulhador - devido a algum incidente ou a uma falha de planejamento ou de equipamento - não observa as paradas de descompressão que permitem a eliminação do nitrogênio residual. Quando isso acontece, bolhas de nitrogênio se formam no organismo, com sintomas que vão desde dormência e tonteira até paralisia dos membros, vômitos e dificuldade respiratória, com risco de morte e de sequelas permanentes. A única forma eficaz de tratamento é a câmera hiperbárica – que, em Fernando de Noronha, não está em funcionamento.  

Ironicamente, a maior atração do mergulho de Fernando de Noronha - a Corveta Ipiranga - resultou de um erro de navegação. E está sendo preservada pelos mergulhadores visitantes, independentemente da intervenção de qualquer autoridade. Neste caso, ao menos, o descuido oficial foi benéfico – ao contrário do que tem acontecido no Arquipélago, em terra firme, onde o descaso não tem qualquer efeito benéfico (NM).


(Legenda: Nilson Mello mergulhando na Corveta Ipiranga. O navio, que afundou na década de 1980 próximo ao ponto onde a nau de Américo Vespúcio teria colidido com uma laje, repousa a 55 metros de profundidade. O naufrágio é preservado pelos mergulhadores) Foto de Marta Granville..